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Quão intenso é o exercício que você faz?

Resumo

A intensidade do exercício refere-se a quão difícil é realizar uma atividade física e é fundamental para alcançar os objetivos de um programa de treinamento. Medir e controlar essa intensidade é importante, e uma abordagem eficaz é a Percepção Subjetiva de Esforço (PSE), que é como uma pessoa percebe o esforço durante o exercício.

A PSE é baseada em um modelo que explica como diferentes aspectos físicos, psicológicos e de desempenho se relacionam durante o exercício. Ela está relacionada de forma linear e positiva com várias variáveis tradicionalmente usadas para controlar a intensidade do exercício, como frequência cardíaca, consumo máximo de oxigênio e percentual da força máxima.

Essa relação entre PSE e outras variáveis é consistente em diferentes grupos de pessoas, incluindo homens, mulheres, jovens e idosos, e tanto em pessoas treinadas quanto sedentárias.

As escalas de PSE são ferramentas simples e eficazes para professores e treinadores controlarem a intensidade do exercício, permitindo uma adaptação individualizada e, assim, promovendo uma maior aderência ao programa de treinamento.

Na figura abaixo aparece uma das escalas de PSE.

Se desejar mais informações sobre este tema, leia o texto completo abaixo.

Carlos Salerno Gonçalves

Introdução

Intensidade de exercício pode ser definida como o quão difícil é a realização de um determinado exercício, ela representa a quantidade de energia necessária para a realização da atividade física por unidade de tempo e pode ser medida através de meios relativamente simples, como o controle da frequência cardíaca. A intensidade também pode ser controlada por meios mais complexos, como através da análise de gases respiratórios expirados durante os exercícios que nos permitem quantificar a captação e a utilização de oxigênio. O controle de intensidade é importante, pois é a aplicação da intensidade adequada durante cada uma das sessões que compõem um programa de treinamento que irá garantir que os objetivos deste programa possam ser alcançados.

O controle da intensidade, em algumas situações pode não ser fácil ou prático, contudo, ele é um aspecto importante do treinamento e diferentes métodos estão disponíveis. Eu acredito que um dos métodos mais eficientes e eficazes é a Percepção Subjetiva de Esforço (PSE). A PSE é a forma como o individuo percebe o esforço relativo que ocorre no seu organismo durante a realização de um exercício e reflete a tensão sobre o sistema muscular, nervoso, cardiovascular e pulmonar (1, 2). A mais conhecida das escalas de PSE é a de Borg (1), mas existem outras já testadas e validadas para diferentes grupos de indivíduos e tipos de exercícios (2-11, 13, 14).

Por que a PSE pode ser usada para medir a intensidade de exercício?

A utilização da PSE para o controle da intensidade é possível porque ela reflete como diferentes aspectos fisiológicos, psicológicos e de desempenho interagem durante o esforço físico. Esta interação pode ser explicada por um modelo chamado de Global Explanatory Model of Perceived Exertion (GEMPE), desenvolvido por Noble & Robertson (12). Este modelo diz que durante a realização de um exercício ocorrem respostas fisiológicas geradas pela produção de tensão nos músculos, como a respiração, o oxigênio consumido, a acidose muscular e outros, que servem como mediadores para o ajuste de como o esforço é percebido. As alterações fisiológicas geradas pelo exercício são percebidas pelo sistema nervoso central (SNC), mais especificamente em um local chamado córtex cerebral, que são depois enviados a outro local do SNC chamado de córtex sensorial. As informações que chegam ao córtex sensorial produzem a percepção do esforço, que também irão englobar a ansiedade, motivação, sensação ou não de falta de ar, dores musculares, entre outras sensações.

O GEMPE é sustentado pela relação linear positiva da PSE com diferentes várias tradicionalmente utilizadas para determinar a intensidade de exercícios, seja no dia a dia ou em laboratório. Uma relação linear positiva significa que à medida que uma variável aumenta outra variável relacionada também aumenta, no caso da PSE e as variáveis utilizadas para controlar a intensidade de exercício significa que a PSE aumenta à medida que outra variável também aumenta. Quando nos referimos a frequência cardíaca (FC), uma variável tradicionalmente utilizada para controlar a intensidade dos exercícios aeróbicos, diferentes trabalhos (2, 7-10) mostraram que a PSE aumenta de forma linear conforme aumenta a FC. Isso acontece com homens e com mulheres (2,7, 9, 10), com jovens (9), assim como com idosos (10). E acontece também com pessoa com problemas cardíacos (10) e hipertensão arterial (11). 

Além da FC, existe outra variável que pode ser utilizada para controlar a intensidade dos exercícios aeróbicos chamada de consumo máximo de oxigênio (VO2máx). Esta variável representa quanto de oxigênio é captado, transportada e utilizada pelos nossos músculos durante o exercício, este processo envolve o aparelho respiratório, o sistema cardiovascular e os nossos músculos, sendo assim considerada a variável mais completa para o controle da intensidade. Mas ela é de difícil mensuração, sendo que as mensurações confiáveis somente podem ser realizadas em laboratório. Por sorte, a relação entre a PSE e o VO2máx já foi estudada, e se mostrou linear e positiva tanto para corrida (2, 8), caminhada (8) e bicicleta ergométrica (7, 9).

Durante o treinamento de força uma variável muito utilizada é o percentual da força máxima (% 1RM), nos programas de treinamento de força ela é controlada para que os objetivos de aumento e/ou manutenção da massa muscular sejam alcançados. A determinação de 1RM, que é definida com a carga máxima que pode ser elevada e abaixada durante uma única repetição de um exercício, não é uma tarefa muito fácil na prática. Isso acontece porque ela necessita de tempo e também pode ser perigoso para os praticantes iniciantes. O controle da 1RM te dá para que seja possível estimarmos a ativação das fibras musculares de um músculo ou grupo de músculos durante o exercício de força, pois é isso que em última analise instância fará com os objetivos sejam ou não alcançados.

Como o aconteceu com o VO2máx, para a nossa sorte, a PSE já foi relacionada com o % de 1RM [3-6], com a ativação muscular medida por eletromiografia (3, 5, 6) e também com o lactato sanguíneo (4, 6). Lactato sanguíneo é uma substância que se forma nos nossos músculos durante o exercício, é possível dizer que quanto mais lactato é formado, maior é a intensidade do exercício. É Importante ressaltar que a relação linear positiva da PSE com 1RM, ativação muscular e lactato ocorre de forma igual nas pessoas treinadas ou sedentárias (5), nos homens (2, 4) e nas mulheres (4, 5, 6).

Quais são a escalas de PSE mais utilizadas?

Sem dúvida alguma a escala mais conhecida é a escala de Borg (2), que apresenta um escala numérica de 6 até 20 e algumas expressões que representam o quão intenso está o exercício. Na figura que segue é possível ver a escala de Borg e sua relação com a intensidade do treinamento de força baseada em 12RM (12), que significa a carga máxima que pode ser movimentada por 12 repetições de um exercício.

A escala de Borg também possui uma versão numérica de 1 até 10, esta versão se chama Borg CR-10 (13, 14), nas figuras abaixo é possível ver a relação das duas versões da escala de Borg e uma versão com um breve explicação sobre qual seria a sensação de esforço em cada nível, que tem como objetivo ajudar na identificação do esforço percebido.


Outra escala de PSE utilizada é a tabela OMNI (4, 7-9). Esta é uma tabela que apresenta a escala numérica e as expressões que representam o quão intenso está o exercício, mas que também apresenta ilustrações do tipo de exercício em questão. Veja um exemplo abaixo.


Os estudos que avaliaram as três escalas de PSE citadas acima, mostram que qualquer uma delas pode ser usada como meio para o controle da intensidade de exercício.

Considerações finais

Como o controle da intensidade de exercício é fundamental para que um programa de treinamento consiga atingir os objetivos aos quais ele se propõe e as escalas de PSE são ferramentas simples e eficazes para serem utilizadas no dia a dia, elas se tornam uma ferramenta importante para professores e treinadores. Além disso, elas apresentarem uma relação importante com as diferentes variáveis fisiológicas de controle de intensidade. Outro ponto positivo para uso destas escalas de PSE é o fato de com ela temos um controle de intensidade onde a participaram da pessoa que realiza o exercício é primordial, fazendo com que a intensidade seja adequada de forma individual e possibilitando uma maior aderência ao programa de treinamento.

Referências Bibliográficas

[1] Borg G. 1982. Psychophysical bases of perceived exertion. PMID: 7154893

[2] Doherty M, et al.2001. Rating of perceived exertion during high- intensity treadmill running. DOI: 10.1097/00005768-200111000-00023.

[3] Zhao H, et al. 2022. Validity of using perceived exertion to assess muscle fatigue during resistance exercises. PMCID: PMC8896022

[4] Robertson RJ, et al. 2003. Concurrent validation of the OMNI perceived exertion scale for resistance exercise. DOI: 10.1249/01.MSS.0000048831.15016.2A

[5] Lagally KM, et al. 2004. Ratings of perceived exertion and muscle activity during the bench press exercise in recreational and novice lifters. DOI: 10.1519/R-12782.1

[6] Lagally KM, et al. 2002. Perceived exertion, electromyography, and blood lactate during acute bouts of resistance exercise.

[7] Robertson RJ, et al. 2004. Validation of the adult OMNI scale of perceived exertion for cycle ergometer exercise. PMID: 14707775

[8] Utter AC, et al. 2004.  Validation of the Adult OMNI Scale of perceived exertion for walking/running exercise. PMID: 15595300

[9] G Balasekaran, et al.  2012. OMNI Scale of Perceived Exertion: mixed gender and race validation for Singapore children during cycle exercise. PMID: 22318397

[10] Declan AJ, et al. 2009. Reliability of the rating of perceived exertion scale in a population with coronary heart disease. DOI:10.1080/15438629609512066

[11] R Eston, D Connolly. 1996. The use of ratings of perceived exertion for exercise prescription in patients receiving beta-blocker therapy.  PMID: 8776008

[12] Tiggemann Cl, et al. 2012. Perceived Exertion in Strength Training. https://doi.org/10.1590/S1517-86922010000400014

[13] Allman BL, Rice CL. 2003. Perceived exertion is elevated in old age during an isometric fatigue task. DOI: 10.1007/s00421-002-0780-4

[14] Pincivero DM, et al. 2003. Knee flexor torque and perceived exertion: a gender and reliability analysis. DOI: 10.1249/01.MSS.0000089246.90005.47

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